Mercado financeiro não acredita mais em juros abaixo de 10% ao ano no governo Lula
08/12/2024
Piora nas projeções do mercado para a taxa de juros está relacionada com o crescimento de dúvidas sobre o controle de gastos públicos, junto a uma expansão robusta da economia e incertezas sobre a política monetária de outros países, como os Estados Unidos. Banco Central é o responsável por definir a taxa de juros
Flickr do Banco Central
Antes previsto para 2024, o recuo da taxa de juros para o patamar de um dígito, ou seja, abaixo de 10% ao ano, não acontecerá mais no atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Essa é a projeção dos economistas do mercado financeiro, captada por meio da pesquisa realizada pelo Banco Central (BC) com mais de 100 bancos na semana passada.
A taxa Selic, que atualmente está em 11,25% ao ano, começou o terceiro mandato de Lula, em 2023, em 13,75% ao ano. A taxa foi reduzida no primeiro ano de governo, e começou a subir nos últimos meses.
No início do ano passado, quando foi inaugurada a gestão petista, o mercado acreditava que o juro recuaria para 9,25% ao ano, em um dígito, já em 2024.
Há algumas semanas, entretanto, os analistas passaram a estimar que a taxa voltará a ficar abaixo de 10% ao ano somente em 2027, ou seja, após o fim do atual governo.
Na próxima quarta-feira (11), o Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne novamente e a expectativa do mercado é de que a Selic avance para 11,75% ao ano. Porém, vários economistas já estimam uma alta maior, para 12% ao ano.
Taxa básica de juros é elevada a 11,25% ao ano
🔎A taxa de juros é definida pelo Banco Central com base no sistema de metas de inflação. O BC fixa a Selic olhando para frente, tendo por base as estimativas para o comportamento dos preços nos próximos anos.
Se as projeções estão em linha com as metas, pode manter ou baixar os juros. Se estão acima, a saída é elevar a taxa básica.
💰Juros altos têm consequências na economia e nas contas públicas. Eles tendem a frear o crédito, que fica mais caro, o consumo, o ritmo de atividade e o crescimento do emprego.
Ao mesmo tempo, elevam as despesas com juros do setor público e pressionam o endividamento — que atingiu 78,6% do PIB em outubro. Esse é um patamar elevado para o padrão de países emergentes.
Nos primeiros anos de seu governo, o presidente Lula, e representantes do Partido dos Trabalhadores, criticaram abertamente o presidente do BC, Roberto Campos Neto, por não baixar tanto os juros, ou por elevá-los. Indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, ele foi acusado de atuar politicamente.
Entretanto, pouparam das críticas o atual diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, quando este apoiou a alta da Selic. Nesta semana, Galipolo indicou que os juros permanecerão elevados por mais tempo. Ele assume a Presidência do BC em 2025.
O que aconteceu na economia
A piora na projeção do mercado para a inflação, e para os juros, está relacionada com o crescimento das dúvidas sobre o controle de gastos públicos, tarefa a cargo dos Ministérios da Fazenda e Planejamento, junto a uma expansão robusta da economia — e geração de empregos. Além de incertezas sobre a política monetária dos Estados Unidos.
De acordo com Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, o principal motivo para a piora das projeções do mercado para a taxa de juros, "sem dúvida alguma", foi a deterioração das contas públicas no Brasil, que acabou "desancorando" as projeções de inflação, que passaram a ficar mais acima das metas centrais.
"E lembrar também que a gente sofreu bastante ao longo do ano com toda aquela dúvida em relação à política monetária [definição dos juros] nos Estados Unidos", argumentou.
Segundo o especialista, "a taxa de juros se movendo nos Estados Unidos acabou afetando toda a dinâmica da taxa de câmbio [alta do dólar], e a gente viu aqui a inflação também principalmente dos 'tradables' [produtos com cotação internacional] sendo bastante pressionada.
"Mas, majoritariamente, o grande culpado dessa situação tem sido a política fiscal expansionista [alta de gastos públicos]", seguiu Agostini.
André Perfeito, economista e mestre em Economia Política pela PUC/SP, citou três fatores que contribuíram para o mercado elevar sua projeção para a taxa de juros: o aquecimento da economia, a dificuldade com as contas públicas e a demora do BC dos EUA em baixar os juros, aliado à vitória de Donald Trump na corrida eleitoral.
"Economistas acreditavam que viria um corte de gastos, que demorou por conta do período eleitoral. Nem Bolsonaro faria o corte de gastos em ano eleitoral. Passaram as eleições, o G20, e não veio. Quando veio, teve o anúncio do IR [aumento da isenção], uma confusão na comunicação", disse André Perfeito.
"E a maioria dos economistas acreditava que os juros dos EUA iriam cair no começo do ano. Não se confirmou, foi cortar só no segundo semestre. E a vitória do Trump criou um limite para queda lá. Caindo menos lá, tem um limite pra queda aqui. O real se enfraqueceu pela percepção de uma piora fiscal, e teve também o dólar ganhando força com o Trump", concluiu o economista.
Após semanas de espera, a equipe econômica anunciou na última quinta-feira (28) um pacote com propostas de cortes de gastos.
Entre as medidas, estão a limitação do salário mínimo, mudanças no acesso ao abono salarial, na aposentadoria dos militares e na fiscalização do Bolsa Família e BPC.
Por outro lado, também propôs ampliar o limite de isenção do Imposto de Renda para até R$ 5 mil (veja detalhes no vídeo abaixo).
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Metas de inflação
Para definir a taxa básica de juros e tentar conter a alta dos preços, no sistema de metas de inflação, o Banco Central olha para o futuro, e não para a inflação corrente, ou seja, dos últimos meses.
Isso ocorre porque as mudanças na taxa Selic demoram de seis a 18 meses para ter impacto pleno na economia.
A meta de inflação deste ano, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), é de 3% e será considerada cumprida se oscilar entre 1,5% e 4,5%;
A partir de 2025, o governo mudou o regime de metas de inflação, e a meta passou a ser contínua em 3%, podendo oscilar entre 1,5% e 4,5% sem que seja descumprida.
Avaliações do BC desde 2023
🗓️Fevereiro de 2023: Apesar da queda no começo de 2023, a inflação ao consumidor continuava elevada. No ambiente externo, havia perspectiva de crescimento global abaixo do potencial, e o BC projetava um cenário de desaceleração do ritmo de crescimento no Brasil. Sobre as contas públicas, informou que "existia elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e dos estímulos" (gastos públicos).
🗓️Junho de 2023: Inflação ao consumidor havia caído no período recente, e indicadores sugeriam desaceleração gradual do ritmo de atividade. O ambiente externo já era classificado como adverso (com a falência, em março do Silicon Valley Bank). O BC avaliava que a apresentação e a tramitação do arcabouço fiscal no Congresso "reduziram substancialmente a incerteza em torno do risco fiscal".
🗓️Novembro de 2023: Inflação ao consumidor seguia uma trajetória esperada de moderação no crescimento, com uma "composição benigna". O ambiente externo continuava "adverso", neste momento em função da elevação das taxas de juros nos Estados Unidos. A atividade econômica seguia consistente com o cenário de desaceleração esperado e, no campo fiscal, observou que havia subido a "incerteza" em torno do atingimento da meta para as contas públicas. Avaliou, ainda, que o "esmorecimento" da disciplina fiscal traria "impactos deletérios" sobre a política de juros.
🗓️Março de 2024: Inflação ao consumidor prosseguia na trajetória de desinflação (alta menor dos preços), com um ambiente externo "volátil" por conta do início do debate a respeito de cortes de juros nos EUA e Europa. BC via, ainda, que a atividade econômica seguia consistente com o cenário de desaceleração previsto. Copom citou, naquele momento, a "importância da firme persecução" das metas fiscais, e reiterou que o "esmorecimento" da disciplina para as contas públicas aumentaria o "custo de desinflação" em termos de atividade econômica.
🗓️Julho de 2024: Desaceleração da inflação tinha "arrefecido" no período, ou seja, tinha parado. O ambiente externo continuava "adverso" por conta de incertezas sobre o tamanho e o ritmo de implementação dos cortes de juros nos EUA. Indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho mostravam "dinamismo maior do que o esperado". E, nas contas públicas, notou que a percepção do mercado sobre o crescimento dos gastos e a sustentabilidade do arcabouço fiscal estavam pressionando ativos como o dólar e os juros futuros. Avaliou que uma política fiscal "crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas [de inflação em relação às metas]".
🗓️Novembro de 2024: A inflação cheia já estava acima da meta, com um ambiente externo desafiador em função das dúvidas sobre os próximos passos do BC dos EUA na definição dos juros. Indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho seguiam apresentando dinamismo, e reafirmou a importância de de uma política fiscal "crível", embasada em regras previsíveis e transparência, junto com o reforço do compromisso com o arcabouço fiscal.